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Provedor deve fornecer porta lógica para identificar usuário acusado de atividade irregular na internet

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que um provedor de aplicação de internet forneça a uma operadora de telefonia os dados da porta lógica associada a um endereço do tipo IPv4 – modelo antigo de endereçamento de conexão que permite o acesso simultâneo de vários usuários com o mesmo IP –, para a apuração dos dados do responsável por oferecer indevidamente um plano da telefônica.

Para o colegiado, apesar de o sistema IPv4 admitir múltiplas conexões e ser normalmente organizado pelos provedores de conexão, e não de aplicação, a porta lógica é exatamente o dado capaz de identificar e individualizar o usuário que acessa a rede. Além disso, o colegiado concluiu que os provedores de aplicação também possuem informações sobre as portas lógicas, na medida em que registram essas informações quando os usuários navegam por suas páginas e plataformas.

A operadora de telefonia propôs ação contra o provedor de internet com o objetivo de obter os dados de cadastro e registros eletrônicos que identificassem o responsável pela oferta de meios irregulares para adesão a um de seus planos.

Segundo a empresa autora da ação, o plano telefônico tinha por alvo o público jovem, que deveria participar de um jogo oferecido no site da operadora como condição para adesão. Entretanto, a empresa tomou conhecimento de uma página, hospedada pelo provedor de internet, que oferecia a adesão ao plano independentemente de participação no jogo.

Provedor de aplicação
Em primeiro grau, o juiz determinou que o provedor, além de remover a página, fornecesse os dados que possuía sobre os responsáveis pelo conteúdo. A sentença, porém, não incluiu a obrigatoriedade de fornecimento da porta lógica utilizada por eles.

A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, para o qual o provedor era de aplicação, e não de conexão, e apenas este último teria a capacidade de informar os dados da porta lógica.

Identificação
O relator do recurso especial da operadora, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o Marco Civil da Internet estabeleceu a necessidade de proteção a registros, dados pessoais e comunicações privadas, como forma de restringir sua guarda por provedores de conexão e de acesso a aplicações.

Por outro lado – ponderou –, a legislação também assegurou o acesso aos dados necessários à identificação de autores de crimes ou causadores de danos civis, obrigando os provedores, por via judicial, a disponibilizar as informações armazenadas.

Nesse sistema, apontou o relator, tem-se uma repartição das informações de navegação, de modo que o provedor de conexão, ao habilitar um terminal para envio e recebimento de dados, atribui a ele um IP e registra o momento em que foi iniciada e encerrada a conexão. Já ao provedor de aplicação cabe o registro de acesso dos IPs à sua própria aplicação.

Contudo, o ministro destacou que, em razão da expansão da internet, esse código atribuído no momento em que é iniciada a conexão esgotou sua capacidade e, até que seja concluída a implementação da nova versão do padrão IP (IPv6), adotou-se o compartilhamento de um mesmo número IP (IPv4) por vários internautas – o que dificulta momentaneamente o rastreamento dos registros de identificação do usuário final.

Individualização
Apesar do compartilhamento de IPs, Marco Aurélio Bellizze destacou que a porta lógica é uma solução tecnológica que viabiliza a individualização da conexão e da navegação mesmo que mais de um dispositivo se encontre simultaneamente conectado à internet com o mesmo número IP. Cabe aos provedores de conexão a organização da relação entre os usuários, endereços IP e portas lógicas.

Mesmo assim, segundo o ministro, nos termos da Lei 12.965/2014, enquanto não se restabelecer a individualização dos IPs de origem, é necessário que se entenda incluída no endereço IP a correspondente porta lógica de origem, em razão da indissociabilidade entre as duas tecnologias para o acesso individualizado à internet e às aplicações. “Do contrário, a adoção da tecnologia paliativa resultaria no esvaziamento da lei, tornando inviável a identificação e responsabilização desses sujeitos”, afirmou.

“Desse modo, sempre que se tratar de IP ainda não migrado para a versão 6, torna-se imprescindível o fornecimento da porta lógica de origem por responsável pela guarda dos registros de acesso, como decorrência lógica da obrigação de fornecimento do endereço IP”, concluiu o ministro ao fixar a obrigatoriedade do fornecimento da porta lógica pelo provedor de aplicação.

Apesar da fixação da tese, em respeito ao princípio do contraditório, a Terceira Turma determinou o retorno dos autos à origem, para que seja dada às partes a oportunidade de apresentar provas sobre a alegada impossibilidade técnica do cumprimento da obrigação e eventual conversão da obrigação em indenização.

  1. O recurso especial debate a extensão de obrigação do provedor de aplicações de guarda
    e fornecimento do endereço IP de terceiro responsável pela disponibilização de conteúdo
    ilícito às informações acerca da porta lógica de origem associada ao IP.
  2. A previsão legal de guarda e fornecimento dos dados de acesso de conexão e aplicações
    foi distribuída pela Lei n. 12.965/2014 entre os provedores de conexão e os provedores de
    aplicações, em observância aos direitos à intimidade e à privacidade.
  3. Cabe aos provedores de aplicações a manutenção dos registros dos dados de acesso à
    aplicação, entre os quais se inclui o endereço IP, nos termos dos arts. 15 combinado com o
    art. 5º, VIII, da Lei n. 12.965/2014, os quais poderão vir a ser fornecidos por meio de ordem
    judicial.
  4. A obrigatoriedade de fornecimento dos dados de acesso decorre da necessidade de
    balanceamento entre o direito à privacidade e o direito de terceiros, cujas esferas jurídicas
    tenham sido aviltadas, à identificação do autor da conduta ilícita.
  5. Os endereços de IP são os dados essenciais para identificação do dispositivo utilizado
    para acesso à internet e às aplicações.
  6. A versão 4 dos IPs (IPv4), em razão da expansão e do crescimento da internet, esgotou
    sua capacidade de utilização individualizada e se encontra em fase de transição para a
    versão 6 (IPv6), fase esta em que foi admitido o compartilhamento dos endereços IPv4 como
    solução temporária.
  7. Nessa fase de compartilhamento do IP, a individualização da navegação na internet passa
    a ser intrinsecamente dependente da porta lógica de origem, até a migração para o IPv6.
  8. A revelação das portas lógicas de origem consubstancia simples desdobramento lógico do
    pedido de identificação do usuário por IP.
  9. Recurso especial provido.

ACORDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de novembro de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

(STJ)

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